Thursday, May 29, 2008

Soltou-se-me finalmente a verborreia que tenho guardado cá dentro durante estes dias alucinantes em tons de cinza!
Passa-se o tempo e os dias parecem todos iguais, povoados por palavrões, faltas de educação, muita estrada e chuva e frio e .... tanta coisa!
Nunca pensei vir a ficar tão desiludida com esta profissão, a que eu escolhi e que aprendi a amar. É de tal maneira grave a situação que julgo não haver retorno! Os miúdos que nos chegam às mãos são os que a escola dita "normal" não quer. São problemáticos é certo, mas o pior de tudo é a educação que trazem de casa, ou por outra, que não trazem de casa. É arrepiante pensar que estou lentamente a ser sugada por este sistema. Dei por mim a não me importar com os palavrões, com os gritos, com as constantes faltas de atenção, com a desmotivação e o desinteresse. Eu não sou mãe de ninguém, tenho um papel enquanto educadora a cumprir, mas não é nem pode ser o principal, nunca o será! Dou por mim a pensar que quando um dia tiver uma turma "normal", vai parecer-me o paraíso. A falta de sol faz-me desanimar, não compreendo como é possível não sentir nada. Neste momento sinto-me um robot, programado para fazer as suas tarefas e mais nada. Tudo me parece saido de um filme de terror, cinzento, com papéis em todo o lado...
Amanhã chega ao fim uma etapa importante, porque com eles cresci e evolui em conjunto. Dá gosto ver como chegaram e como vão embora, tão crescidinhos e senhores de si. Estou nostalgica, tenho pena de os deixar ir. Tudo se move em circulo e os passarinhos mais cedo ou mais tarde também acabam por deixar o ninho. E é isto que me dá forças para me levantar a cada dia, a certeza de que não é em vão e de que com o passar do tempo os palavrões e os maus modos acabam por ser derrotados e nós levamos a melhor. Essa satisfação de saber que se pode fazer uma diferença ainda que muito pequena, na formação do carácter de outro ser humano, é aquilo que me faz amar ser professora!

1 comment:

TPSC said...

" O senhor Valéry conhecia pessoas arrogantes e não gostava delas.
Para o senhor Valéry, arrogante era a pessoa que se julgava melhor que a sua tarefa: quer esta fosse servir à mesa, escrever, ou pintar um quadro.
O senhor Valéry explicava:
- Conheço pessoas que andam na rua como se fizessem um favor ao acto de andar. É perigoso julgarmo-nos maiores que a nossa tarefa - explicava o senhor Valéry.
- Se a nossa tarefa for fixar um prego na parede... e se nos julgarmos mais inteligentes que essa tarefa, corremos o risco de falhar o prego, acertando em cheio no nosso próprio dedo.
- Mas também não nos podemos considerar menos inteligentes que a tarefa, pois por inibição corremos o risco de falhar outra vez o prego, e dessa forma acertamos, de novo, em cheio, no nosso próprio dedo.
- Deste modo - concluía o senhor Valéry - eu considero-me, em qualquer situação, ao mesmo nível da tarefa. Nem sou o seu chefe, nem o seu empregado. Eu e a minha tarefa somos coisas com igual inteligência que num determinado momento partilham o Destino. E é só. "
Gonçalo M. Tavares, " O Prego", O senhor Valéry, Caminho, 2002

Encontrei esta passagem este fim de semana, depois de a ter lido num livro que trouxe da biblioteca. Achei apropriado. Não por considerar que se aplica à tua pessoa, mas por acreditar que se aplica à situação. Ao ler as tuas palavras senti uma grande empatia. Entrámos em Junho e eu já visualizo cansaço na minha imagem reflectida no espelho há dois meses... talvez não tenha descansado o suficiente nas férias da Páscoa... e ainda sou uma sortuda falando de barriga cheia... porque tive férias da Páscoa... eu sei, desculpa-me... mas ou não descansei ou desinteressei-me pelo meu trabalho, por saber que todos os dias busco o mesmo cenário: barulho, má educação,brigas... desordem e são só crianças... dou por mim a sentir-me menos pessoa, menos gente, menos doce, menos real e chego a casa cansada de 3 horas de aula, de andanças, de "porta-te bem", "senta-te no lugar" , presta atenção", "não batas no teu colega", "não digas asneiras"...e nisto torno-me exactamente no tipo de pessoa que o senhor Valéry não gosta: uma pessoa arrogante. Uma pessoa que ganha raiva do seu trabalho e que se julga melhor que ele...ou talvez nem seja bem isso... talvez sinta que merecesse melhor... e... acerto em cheio com o martelo no dedo! Em vez de ir fazendo as coisas de uma forma descontraída, vou para lá com os musculos todos contraídos. Puxo o travão do carro, desligo o motor e penso... são só umas horinhas, pequeninas... e depois torno-me na outra pessoa... aquela que acha que não consegue fazer isto por muito mais tempo... não tenho a força necessária... e de novo falho o prego e acerto no dedo! Então, respiro fundo, olho-me no espelho retrovisor e penso que naquele momento tenho um trabalho a fazer e, como tal, devo dar o meu melhor. Aconteça o que acontecer, devo cumprir a minha tarefa. Saio e tranco o carro e enfrento a porta da entrada do edifício onde o trabalho me espera. Existem dias em que sou saudada com euforia, beijos e abraços, as actividades correm lindamente e conseguimos levar o barco a bom porto. Outros dias, nem por isso. Vivo para os primeiros e sou feliz nesses momentos porque percebo que são passíveis de repetição.
Persistência...